Organização do trabalho nos bancos leva a adoecimento mental da categoria
Tema sensível e de urgente discussão pautou o seminário organizado pela Fetec-CUT/SP e Seeb/SP, realizado nesta segunda-feira (18), com participação da diretoria do Sindicato dos Bancários de Araraquara e região
Data: 19/11/2024 às 11:09
Fonte: Seeb/SP, com edição de Seeb Araraquara

Assédio moral institucionalizado, pressão pelo cumprimento de metas abusivas, incentivo à competitividade e ao individualismo são algumas das características da forma de organização do trabalho no setor bancário. E é esse ambiente que leva os bancários a serem uma das categorias que mais adoece psiquicamente hoje no país.

Essa foi a conclusão a que chegaram diversos especialistas no tema, reunidos na segunda-feira (18), no Seminário Saúde Mental e Trabalho Bancário, realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Fetec-CUT/SP, do qual o Sindicato dos Bancários de Araraquara e região participou representado por seu presidente Paulo Roberto Redondo e pelos diretores André Luiz de Souza, Andréia C. de Campos e Rosângela Lorenzetti, que é também secretária de Saúde e Condições de Trabalho da Fetec-CUT/SP.


Diretoria do Sindicato dos Bancários de Araraquara juntamente com a Dra. Maria Maeno,
médica e pesquisadora da Fundacentro em Saúde do Trabalhador

“Este é um tema sensível e é absolutamente necessário discuti-lo. É um tema que tem tudo a ver com a luta contra a jornada 6 x 1, que estamos travando hoje no país. Portanto, o seminário é um momento de acessar informações e de refletir coletivamente sobre como enfrentar o problema”, destacou a secretária-geral do Seeb/SP, Lucimara Malaquias, na mesa de abertura do evento.

Dados alarmantes

“Sabemos que o gestor pressiona o subordinado porque ele próprio está sendo pressionado. Sabemos que o assédio moral não é algo que ocorre em situações isoladas entre duas pessoas, ele é institucionalizado, faz parte da forma de gestão nos bancos”, destacou a secretária de Saúde do Seeb/SP, Valeska Pincovai.

Ela apresentou dados alarmantes sobre o número de trabalhadores em sofrimento psíquico que procuram a Secretaria de Saúde do Sindicato: “Somos procurados por bancários desesperados. Temos casos de suicídios, temos o caso de uma bancária que se cortou no banheiro da agência. Em outubro, realizamos na Secretaria de Saúde um total de 330 atendimentos, e cerca de 90% das pessoas nos procuraram com ansiedade e depressão”.

E destacou ainda que, no país, em 2022, os afastamentos por transtornos mentais somaram 11,40% no total de benefícios concedidos pelo INSS, seja por acidente de trabalho ou doença comum. Mas quando se faz o recorte por categoria, percebe-se que bancários e bancárias foram responsáveis por 43,72% desses afastamentos.

No estado de São Paulo

A diretora do Sindicato e secretária de Saúde da Fetec-CUT/SP Rosângela Lorenzetti, que compôs a mesa de debates, apresentou dados da categoria no estado de São Paulo, revelados na consulta nacional da Campanha 2024.

“A consulta revelou que 16% dos bancários e bancárias do estado indicaram o combate ao assédio moral como prioridade na Campanha, um número bastante expressivo. Revelou ainda que, entre os trabalhadores no estado, 28% fazem uso de medicação controlada”, informou a dirigente.

Avanço na Campanha 2024

O secretário de Saúde da Contraf-CUT, Mauro Salles, lembrou que a categoria teve uma conquista importante na Campanha 2024. “Os bancos sempre trataram o assédio moral como ‘conflitos no local de trabalho’, inclusive esse era o nome da cláusula que instituiu o instrumento de combate ao assédio. Era uma forma de afirmar que o problema é do gestor com o subordinado, e não algo institucionalizado na empresa. Nesta Campanha finalmente conseguimos que eles mudassem o nome da cláusula para ‘mecanismo de combate ao assedio moral e sexual e outras violências relacionadas ao trabalho’. Isso é um avanço, pois sabemos que o assédio é pensado em consultorias, IA, neurolinguística, resulta de mecanismo para ‘motivar’ os empregados a produzir, bater metas e entregar resultados, e também em mecanismos de avaliação dos trabalhadores.”

Tecnologia e trabalho bancário

Na segunda mesa do evento foram apresentados dados da crescente digitalização do setor bancário e foi debatido como isso tem afetado o trabalho bancário e o uso do tempo pelo trabalhador.

A economista do Dieese Rosângela Vieira apresentou dados do uso da tecnologia pelos bancos e de como isso está transformando a organização do setor, com fechamento de agências, extinção de algumas funções ligadas às agências, como caixas e escriturários, enquanto crescem as funções da área de TI, e a redução dos postos de trabalho no setor.

Em 2019, 37,2 bilhões de transações eram feitas pelo mobile bank (aplicativos em smartfones), em 2023 já eram 130,7 bilhões.

Em 2016, os canais físicos respondiam por 33% das transações e as digitais eram 52%. Em 2023, as físicas eram apenas 7% e as digitais chegaram a 79%.

Em 2019, os investimentos em tecnologia pelos bancos foram de R$ 23,9 bilhões, e saltou para R$ 47,4 bilhões em 2024. Apenas entre 2023 e 2024, o montante investido cresceu 21%, segundo dados da pesquisa Febraban 2024.

Ela também citou dados previdenciários que apontam para o aumento do adoecimento dos bancários. “Em 2022, a categoria bancária representava apenas 2,75% dos empregos formais no Brasil, mas ela respondia por 25% dos afastamentos por doenças mentais.”

E apontou para a importância da redução da jornada de trabalho na reversão desses dados. “Estudos comprovam a importância da redução da jornada em vários aspectos: na diminuição do desemprego, na elevação da produtividade, no menor desgaste, menos acidentes, menos estresse, redução de gastos na saúde pública, mais tempo de estudo e qualificação para os trabalhadores e inclusive ganhos na questão das mudanças climáticas.”

Subjetividade do trabalhador

A professora de Saúde Pública da USP Andréia Garbin levantou questões sobre a subjetividade do trabalhador. “As empresas hoje oferecem treinamentos para moldar o comportamento do trabalhador, a disponibilidade subjetiva. O objetivo é atingir metas e aumentar seus lucros, mas é necessário que o trabalhador se submeta a isso. Assim, formas de controle foram sendo modificadas pelo uso da tecnologia, como número de estrelinhas dadas por clientes, por exemplo. O resultado é que o trabalhador está sendo o tempo todo vigiado, e isso traz consequências em sua subjetividade.”

Ela destacou ainda que, a fim de bater metas e aumentar as vendas, o trabalhador muitas vezes tem de extrapolar seus limites éticos, pois se vê em situações em que tem de mentir e enganar clientes, e isso leva ao que ela chamou de autoculpabilização. “Isso leva a sofrimento ético-político, o que leva a autoculpabilização.”

O psicólogo do trabalho, Dimitre Moita destacou o processo de aceleração da vida moderna  e a experiência do tempo e sensação de escassez. “Vivemos numa sociedade de aceleração, de aumento do ritmo de vida. Novas tecnologias levam a novas formas de trabalhar que levam a mais aceleração, trata-se de um ciclo.”

E concluiu: “Não podemos civilizar o capitalismo, no máximo podemos domá-lo. Então nosso desafio é de puxar o freio de mão do capitalismo.”

O procurador do Ministério Público do Trabalho Patrick Maia Merísio destacou que é evidente o alto crescimento dos transtornos mentais provocados pelo trabalho.

“Hoje temos uma certa mudança: o chamado risco psicossocial, que só agora foi reconhecido nas normas regulamentadores de saúde e segurança, mas que, embora já esteja no texto da NR-1, só será adotado em 2025. No plano internacional e na legislação brasileira, já tínhamos a questão da saúde mental regulamentada. Mas há atraso muito grande na defesa da saúde mental, pois isso envolve pensar o trabalho como um todo e nós estamos acostumados a pensar o trabalho só em alguns aspectos. Só que o problema da saúde mental envolve a prática e a organização do trabalho. É bem mais complexo.”

Ambiente torturante

O Seminário contou ainda com apresentações da médica da Fundacentro, Maria Maeno, da advogada Leonor Jakobsen e com o superintendente regional do INSS Sudeste, Hermenegildo Pires Alves.

“O trabalho é um direito, tem a ver com direito de socializar. Mas o trabalho deixou de ser isto para se tornar algo torturante”, disse Leonor Jakobsen, destacando que para combater isso era preciso apostar em bandeiras como o direito à desconexão e a redução da jornada de trabalho. “Essas bandeiras são fatores de preservação tanto do direto social do trabalho quanto do direito à saúde e a uma vida digna.”

A médica Maria Maeno destacou o ambiente do setor bancário como competitivo, de isolamento do trabalhador. “É cada um atrás de suas metas, com pouco espaço de tempo para integrar o processo coletivo que caracteriza o movimento sindical. Assim, os bancários tendem a se afastar de várias questões, de perspectivas políticas do movimento coletivo.”

Ela destacou ainda a naturalização do adoecimento. “A maioria dos trabalhadores, ao perceberem que estão com algum sintoma, tendem a achar que são problemas normais do trabalho: fadiga, desânimo, ansiedade, falta de vontade de sair, dor no estômago, palpitações... Esses problemas começam a fazer parte da vida.”

O superintendente do INSS reconheceu que o adoecimento psíquico do trabalhador tem aumentado. “Desde 2015, a gente vem num aumento constante de afastamentos vinculado à saúde mental.” Ele disse também que o INSS tem projeto de retomar os investimentos em reabilitação profissional e comprometeu-se em levar ao ministro da Previdência Social, Carlos Roberto Lupi, a necessidade de se fazer uma avaliação mais centrada em doença ocupacional.

Debate no Youtube

Para quem gostaria de assistir a íntegra do debate, o Seeb/SP disponibilizará a transmissão em seu canal do Youtube: youtube.com/ spbancarios. Confira!

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